29 dezembro 2014


tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues
tu me tues





Tu me tues. Tu me fais du bien.

Hiroshima Mon Amour | Alain Resnais

27 dezembro 2014

Everything about you,
my life, is both
make-believe and real
Charles Simic
Há dias em que não penso uma só palavra
que queira dizer-te, dias em que as fronteiras entre os homens
se encontram permanentemente abertas ao estreitar de mãos,
como laços de gravata a fecharem-se sobre o colarinho da camisa.
Não penso sequer na tua nuvem a morrer todos os dias à minha porta,
mas diz-me, diz-me afinal de contas tudo o que quiseres.
É que eu, eu passei demasiado tempo na tua pele,
a sonhar os gregos com intenções de cerâmica e laser,
e agora é Outono a caminho do teu rosto,
resta-me passar a rua pelos olhos, pedir café e uma amostra de cinema
datado,
tal como a originalidade da nossa história,
entregue a amanuenses talentosos na hora de nos ortografar bem.

Não pareço feliz, mas pareço belo.
Terá de ser suficiente para agarrar pelos cabelos a onda
e fugir para tão longe da praia,
sempre a fingir esta versão super-heróica de mim próprio
de lábios, olhos e estômago pintados
ao jeito de uma obsessão ostensivamente recente:
tendências nunca reconhecidas nos séculos precedentes.

Admitir maternidade nestas putas de livros, à falta de linguagem feminil
que justifique a brandura da nossa crónica,
nunca como um truque, mas como uma tragédia,
enquanto dormes, a fazer de conta que estou aqui,
noite após noite, a tentar perceber porque é que a leitura conjugada
deste e daquele sentido é quase uma colagem
ao lastro de justiça daqueles que nos correm na família.
Escrever na terra prova uma série de coisas,
mas provas bem melhores surgem ao apagá-la,
porque a terra não se encontra com a terra, nem com o sangue.
Não somos pessoas agradáveis de conhecer.

David Teles Pereira, Auto-Biografia 'A Terra'

10 dezembro 2014

darling I'm a nightmare dress like a day dream

Pretty women wonder where my secret lies.
I’m not cute or built to suit a fashion model’s size   
But when I start to tell them,
They think I’m telling lies.
I say,
It’s in the reach of my arms,
The span of my hips,   
The stride of my step,   
The curl of my lips.   
I’m a woman
Phenomenally.
Phenomenal woman,   
That’s me.


I walk into a room
Just as cool as you please,   
And to a man,
The fellows stand or
Fall down on their knees.   
Then they swarm around me,
A hive of honey bees.   
I say,
It’s the fire in my eyes,   
And the flash of my teeth,   
The swing in my waist,   
And the joy in my feet.   
I’m a woman
Phenomenally.


Phenomenal woman,
That’s me.


Men themselves have wondered   
What they see in me.
They try so much
But they can’t touch
My inner mystery.
When I try to show them,   
They say they still can’t see.   
I say,
It’s in the arch of my back,   
The sun of my smile,
The ride of my breasts,
The grace of my style.
I’m a woman
Phenomenally.
Phenomenal woman,
That’s me.


Now you understand
Just why my head’s not bowed.   
I don’t shout or jump about
Or have to talk real loud.   
When you see me passing,
It ought to make you proud.
I say,
It’s in the click of my heels,   
The bend of my hair,   
the palm of my hand,   
The need for my care.   
’Cause I’m a woman
Phenomenally.
Phenomenal woman,
That’s me.

Maya Angelou, “Phenomenal Woman” 

08 dezembro 2014

mais tarde impossível

Que silêncio tão grande. No interior do silêncio mais silêncio e no interior do mais silêncio um relógio minúsculo a anunciar
– Já é tarde, já é tarde
de forma que nem reparamos nos ponteiros. Para quê se o relógio insiste
– Já é tarde, já é tarde
e nós a olharmos uns para os outros, inquietos
– O que diz o relógio?
apesar de termos ouvido perfeitamente a sua vozinha apressada, nós de súbito com medo
– Tarde?
e o que significa tarde meu Deus, o que pretende o relógio? Mesmo tapando as orelhas com as mãos a teimosia permanece
– Já é tarde
mesmo não escutando mais nada escutamos o
– Já é tarde
não sabemos se no relógio se no interior da gente, olhamos em volta, olhamos para dentro à procura, achamos episódios antigos, um triciclo, um avô a espantar-se
– O que tu cresceste
um colar de pérolas
(de quem?)
numa tacinha, achamos a nossa vida de hoje e qual o sentido da nossa vida de hoje, o que fazemos com ela, dias atrás de dias, o supermercado, o jantar no restaurante aos domingos, a maçada das crianças às vezes e não era bem isto que nos apetecia, não era bem isto o que tínhamos desejado, falta qualquer coisa, onde é que errámos, o que falhámos, não somos infelizes mas também não temos o que secretamente ansiávamos, os anos vão passando ...


... (– o que tu cresceste)
e não temos o que secretamente ansiávamos, de vez em quando momentos tão vazios, de vez em quando, mesmo no meio dos outros, uma solidão tão grande, um desamparo, uma sensação de queda, esta dificuldade em respirar, porque a mobília sufoca, que vem e desaparece e volta, de vez em quando, sem motivo, vontade de chorar, não lágrimas grandes, não soluços, uma coisa vaga, uma pergunta
– E agora?
sem resposta, caras familiares que se tornam estranhas, se te abraçar continuo sozinho, o que se passa comigo, o que se passa connosco, o relógio prossegue
– Já é tarde
monótono, acusador, implacável, os objectos quietinhos sem nos ajudarem
– Porque não nos ajudam?
Nada nos ajuda, é tarde, tentamos conversar e é tarde, fazemos amor e é tarde apesar de termos feito amor na esperança que não seja tarde e depois, em lugar do prazer, ou misturado com o prazer, ou mais forte que o prazer, uma espécie de amargura que persiste, se não dilui, persiste, o
– E agora?
sem resposta aumenta, um
– E agora?
imenso, que horror, um
– E agora?
que nos preenche inteiros, se nos pegassem ao colo, fugissem connosco, nos garantissem
– Não é tarde ainda
e pudéssemos acreditar que não é tarde ainda, tranquilizar-nos afirmando
– Não é tarde ainda
embora cientes que mentimos
– Não é tarde ainda
e tornar a mentira verdade, que outra coisa fizemos para além de tentarmos transformar as mentiras em verdades, não há ninguém mais crédulo que um desesperado
– O que tu cresceste
e em que direcção cresci que não dou por ter crescido, lá está o triciclo, lá está o avô, lá está o colar, os frascos de perfume que cheirávamos às escondidas, os cigarros que fumávamos secretamente no quintal, cresci para onde, cresci como, se nos metermos no carro, se almoçarmos fora, se te pegar na mão melhoramos e contudo ficamos parados a teimar no silêncio
(que silêncio tão grande)
– Já é tarde
e não é o relógio, somos nós
– Já é tarde
não noite ainda e contudo tão tarde, aproximamo-nos da janela, os prédios do costume na rua
(esperavas outros prédios, outro bairro?)
e tão tarde, ganas de apanhar aquele cinzeiro e quebrá-lo no chão, de que serve apanhar aquele cinzeiro e quebrá-lo no chão, no espelho a nossa cara
– O que tu cresceste
diferente, a nossa cara e diferente, porquê diferente, o que é isto nos olhos, o que é isto na boca, a boca a ecoar
– Tarde
tal como os olhos ecoam
– Tarde
todo o corpo a afirmar
– Tarde
e quando o
– Tarde
diminui, o
– E agora?
a dilatar-se nele, o
– E agora?
imenso, sentamo-nos no sofá com uma revista, o jornal, um livro e as mãos vazias, apertamo-las uma na outra, espreitamos o triciclo, a certeza que se pedalássemos muito depressa não seria tarde, pedalar mais depressa que o relógio, os episódios antigos, aquela parente que nos oferecia rebuçados cujo papel não descolava e se nos prendia aos dentes, tentávamos retirar o papel com a unha e não saía, ainda nos lembramos do gosto do papel na língua, largamos a revista, o jornal, o livro, e ficamos no sofá, tanto tempo passado, com o papel na língua, a mastigá-lo, a mastigá-lo, a mastigá-lo, no fundo da gente nós mesmos a acusarmo-nos
– Porque me tornaste nisto?
o silêncio aumentou tanto que o relógio se calou, uma palma no nosso ombro
– O que foi?
e construímos peça a peça um sorriso difícil
(custa tanto um sorriso)
que responde por nós
– Não foi nada.

António Lobo Antunes




(Aos gritos!)

06 dezembro 2014

diários

Respirei fundo e escutei o velho e orgulhoso som do meu coração. Eu sou, eu sou, eu sou.



Sylvia Plath


(O coração bate mais devagar)

03 dezembro 2014

hoje

I don’t do yoga, never tried Pilates
Not many people want me at their parties
Tryna find my place, some place, oh I, oh I, oh I
And I drink a little more than recommended
This world ain’t exactly what my heart expected
Tryna find my way someway, oh I, oh I, oh I

[Chorus:]
See, whoa, c’est la vie
Maybe something’s wrong with me
But, whoa, at least I am free, oh, oh, I am free
Yeah, whoa, c’est la vie
Maybe something’s wrong with me
But, hey, at least I am free, oh, oh, I am free

If you ask the church then I am no believer
Spend Sundays asleep I'm just another dreamer
Still tryna find my home sweet home, oh I, oh I, oh I
And I guess I ain’t too good for money neither
I got two left feet, no, I'm no Jackson either
Just tryna find my way someway, oh I, oh I, oh I

[Chorus:]
See, whoa, c’est la vie
Maybe something’s wrong with me
But, whoa, at least I am free, oh, oh, I am free
Yeah, whoa, c’est la vie
And maybe something’s wrong with me
But, whoa, at least I am free, oh, oh, I am free

Just tryna find my home sweet home, sweet home, sweet home, sweet home,
I drink a little more than recommended
'Cause this ain’t exactly what my heart expected

[Chorus:]
Whoa, c’est la vie
Maybe something’s wrong with me
But whoa, at least I am free, oh, oh, I am free
Yeah, whoa, c’est la vie
Maybe something’s wrong with me
But, whoa, at least I am free, oh, oh, I am free.

Whoa, c’est la vie
Maybe something’s wrong with me
Whoa, at least I am free, oh, oh, I am free
Whoa, c’est la vie
Maybe something’s wrong with me
Whoa, at least I am free, oh, oh, I am free
.

Rudimental ft. Emeli Sandé - Free 

02 dezembro 2014


as tuas mãos

ainda tento sobreviver após tudo o que te escrevi, tudo o que me escreveste e disseste, e toda a vida miúda que fomos levando sem nunca pressentirmos a grande raiva que um dia talvez rebentasse; hoje, que o futuro já confirmou parcialmente as razões vulgares da minha partida, não vale a pena fingir, à merda a hipocrisia, não é da desmesura que volto, mas de uma terra pequena e de um mar dócil, da avareza e do medo, e volto como quem rasteja ou implora a leitura destas linhas, com um nome na boca, devagar, para a proximidade dos teus passos na cozinha, para confirmar as tuas palavras, à mesa do chá, sobre a minha pequena loucura. E sorrirei da minha pequena loucura. Entardece. Talvez esteja velho e a morte já não me faça companhia. Olha, não consigo escrever mais




Rui Gomes, O Mensageiro Diferido