29 dezembro 2012

Quem és? Pergunto ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó, Depois nada.

Hilda Hilst

25 dezembro 2012

Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? 

Este mundo é muito misturado.

Guimarães Rosa

23 dezembro 2012

Não basta estender as mãos vazias para o corpo mutilado,
acariciar-lhe os cabelos e dizer: Bom dia, meu amor.
Parto amanhã.

Não basta depor nos lábios inventados a frescura de um beijo
doce e leve e dizer: Fecharam-nos as portas. Mas espera.

Não basta amar a superfície cómoda, ritual, exacta nos con-
tornos a que a mão se afeiçoa e dizer: A morte é o caminho.

Não basta olhar a amante como um crime ou uma injúria
e apesar disso murmurar: Somos dois e exigimos.

Não basta encher de sonhos a mala de viagem, colocar-lhe as
etiquetas e afirmar: Procuro o esquecimento.

Não basta escutar, no silêncio da noite, a estranha voz dis-
tante, entre ruídos de música e interferências aladas.

Não basta ser feliz.

Não basta a Primavera.

Não basta a solidão.

Daniel Filipe

22 dezembro 2012

Acordo cada dia com um corpo
que não aquele com que me deitei


António Franco Alexandre

20 dezembro 2012

If you're losing your soul and you know it, then you've still got a soul left to lose. 



Charles Bukowski

16 dezembro 2012

Krzysztof Kieślowski


















"Todos os caminham levam à morte. Perca-se."

Jorge Luís Borges

13 dezembro 2012


a melancolia pode às vezes ser isto,
um modo de sobreviver ao vazio,o comovido
jeito de pôr a mão sobre o mármore da mesa
e pedir
outro martini fresco
se faz favor.


Manuel de Freitas





porque a dor do corpo é melhor que a dor da alma.

12 dezembro 2012

11 dezembro 2012

há muito tempo, no começo de uma noite de árvores já despidas, agitadas pelo vento de setembro, imaginei a tua vinda. havia uma indefinida inquietação na natureza, como se estivesse para se aproximar uma grande tempestade, e o horizonte colorira-se de tons assustadores. a electricidade tinha faltado, e havia velas tremelicando sobre as mesas, um certo sentimento de frio que nos fazia aproximar-nos das camas, enrolarmo-nos dentro das camisolas, como se esse fosse o preciso começo de mais um inverno, com tudo o que de irremediavelmente perdido ficava para trás, sobretudo os rostos iluminados pela intensa exaltação da luz. eu aquecia as mãos na fornalha do cachimbo, acariciava as folhas do livro que me tinha acompanhado durante todo esse mês, sentia-me lavado e com uma indescritível paz na alma. pela primeira vez na vida sabia-me completamente entregue a mim próprio, tal como as colinas que vira ao fim da tarde, espalhadas ao sol, amarelas e solitárias, sem qualquer sentido que não fosse multiplicarem-se até aos confins da minha retina, redondas e sempre iguais a si mesmas, perdurando de dia para dia e de século para século.mas, dizia-te, nesse momento prenunciei a tua vinda. julguei mesmo saber quando me chamaste pela primeira vez, talvez num desses muitos sons ambíguos que tem o estalar de uma casa, e me disseste: prepara o caminho para o meu rosto. abre-te de par em par, como se fosses uma enorme folha de uma planta carnívora, distende-te todo como um animal dócil e devorador, apresta-te a teres os meus pés nus sobre o teu peito, os meus lábios elevando-se ao longo do teu sexo como as pétalas de uma flor vermelha de sangue.


assustas-me por me quereres assim, e por te acercares tão inesperadamente neste fim de dia de outono, como se uma nudez indecisa se aproximasse do meu leito sem eu lhe poder definir os contornos do olhar, pensei. sabes, nesta altura do ano os patos bravios migratórios já se encontram todos sobre o lago, e um tal anúncio pode causar-lhes a morte, ou pelo menos uma partida precipitada, e o sangue das suas asas ficar espalhado no meu peito. interrompes um pacto antigo que fiz com esta vida cómoda: a de poder sobreviver em troca de um pouco de ternura, das refeições às horas, do meu cachimbo pousado sobre o estirador, entre a elegância das lombadas dos meus livros, na certeza de estar construindo a obra que esperam de mim. tu vens de súbito tratar-me como um rapaz, abrir-me as cortinas de veludo do teu púbis com um sorriso azul, dizer-me que tudo começa agora, que deixaste crescer os cabelos para mim, e que eles te provocam uma sensação de crina nas nádegas, que queres correr.como pudeste saber que era eu a pessoa certa? e sê-lo-ei? como intentas possuir a minha alma, assim por antecipação? como pudeste adivinhar que atravessei desertos, que no meu palato tenho a secura de cactos cujos espinhos se me enterram nas gengivas quando sorrio? não receias a minha voracidade, este apetite por te sugar toda, desde a saliva ao sangue, esta vontade de morte que me acomete, de te cortar pelo sexo, de te abrir como a um brinquedo, atirando as peças para os quatro cantos do quarto? eu sei, marcaste encontro comigo num qualquer hotel, solitário e frio, onde chegarei sem bagagem e segurando com uma mão de suor o meu cartão de crédito. não teremos música, nem uma chávena de chá, nem interessará se lá fora chove ou se no passeio passa a figura da pessoa que outrora foi minha mãe. é suposto eu ter crescido, e não estou aqui nem para me explicar nem para finalmente te conhecer. estou aqui porque tu me insinuaste que querias possuir o meu olhar, com uma determinação clandestina. não te esqueças de fechar os vidros, porque estamos numa cave, e pode ser que lá fora seja veneza, que as vagas se agitem e venham entornar-se aqui dentro.pode acontecer que a cama se transforme numa jangada e tu consigas matar-me, dar-me descanso no alto mar, quando chegar a hora em que o sol ruboresce as asas dos anjos que trepam, expeditos, às cúpulas das igrejas. partir assim deste sítio terá de ser forçosamente inesquecível.

Vítor Oliveira Jorge

09 dezembro 2012

Diana (Deusa da caça)


Às vezes paro à porta com o olhar perdido e habituado ao silêncio, há mais desertos ainda, dias e morte noutros olhos. Com a garganta habituada à sede,com os pés às feridas, saio para a rua e já não há umbrais. Ando um dia, passo outro, acabo uma semana de vidros partidos e tosse mais velha. Hoje parece que sempre choveu sobre mim, e não me importa se a chuva já não se parece ao esquecimento e apenas deixa charcos, paredes mais sujas e fuligem e tristeza nos olhos de rímel, ainda tenho sede e não me importa voltar às coisas más e aos velhos tugúrios à procura de algo que não encontro nem recordo, que costuma principiar por um encontro, talvez por outra palavra e corre o perigo de crispar-se até à forma da folha da faca. Às vezes tudo é tão estranho que não basta continuar a andar.


Alfonso Barrocal

03 dezembro 2012

02 dezembro 2012

À bout de souffle | Jean-Luc Godard
















Se nada nos salva da
morte,
pelo menos que o amor nos salve da
vida.

Pablo Neruda