28 abril 2013

– Vou-me embora amanhã – disse eu.

– Isso que tem? Nem a viagem ao céu é só de ida.
Agustina Bessa-Luís (2004)
O que é este intervalo entre mim e mim?

Bernardo Soares, O filme do Desassossego
When you look fear in the eyes you see your future.


27 abril 2013

Existe o mito das sete vidas dos gatos. E este amor, quantas tem?


«Minha querida, se soubesses! Lembras-te da canção do Zé Mário? "O que eu andei p'ra aqui chegar..." Foi quase isso, um caminho longo e penoso, mas fi-lo parado. Três anos vivendo como um autómato cinzento - o que nem é difícil, tantos o fazem... -, apenas a memória a cores fortes. Porque à noite, em casa, no escuro, punha os auscultadores e pintava-nos obsessivamente com a música por moldura. E os quadros amontoavam-se na minha cabeça, tão límpidos como o génio agarotado do teu querido Mozart.(...) Tocava à campainha, a voz no intercomunicador, riso escondido, "desço ou ainda sobes?" O ainda era tão prometedor...; "subo". O olhar maroto, "estás com muita fome?" Às vezes. A de ti, pelo contrário, gemia sempre alto nas entranhas, à medida que o crepúsculo da sala afagava esse andar de mulher madura, cruel de tão lento, sabendo-me na sombra maravilhada dos seus passos. (...) O sorriso, de tão aberto, substituía convite de mãos e boca. E tu à espera, maliciosa, eu a custo segurando as rédeas do desejo, (...). A cabeça inclinada para trás, o cabelo em liberdade pelo chão, o pescoço, longo e arqueado por solidariedade com os rins, à mercê da minha língua, escondendo gemidos que acabavam por se escapar, para meu alívio e orgulho infantis. Botão a botão, até os dedos se perderem por montes e vales, os teus por perto, às vezes ensinando-lhes o caminho, crispados ao anúncio da carícia desejada; e partindo, ligeiros, a libertar-me também de prisões o corpo, que se juntava à nudez completa e agradecida que vestia a alma. (...) A tua mão distraída, passeando pelo meu peito, cheio de um estranho cansaço, juvenil e impaciente, "estou de rastos e quero mais. Será isso o amor?(...) Com os olhos procuravas os meus, através da sala e conversas, carinho mudo. (...)Sempre fui o terror dos lençóis e a delícia dos psicanalistas, sonhos terríficos abanando-me de madrugada; e no entanto dava comigo, manhã cedo, enroscado à tua volta, na mesma posição em que segredara "dorme bem". E sobretudo sem o movimento de repulsa que os corpos errados despertam nos acordares surpresos que se seguem a noites demasiado optimistas, às vezes queremos dormir com uma pessoa, mas não partilhar o sono com ela. (...) E eu sem medo de fazer batota, inventando-te defeitos que me libertassem. (...) quando dizia "até logo" era exactamente isso que pensava, "volto logo e vai ser bom; tudo". Será isso o amor?Talvez, quem sabe? Por que não te perguntei? Decidias o rótulo, se dissesses amor ficava assim decretado, as mulheres sabem mais dessas coisas. Teria feito diferença? Estaríamos ainda juntos? Bem vês, quando pediste para discutir o futuro, desejei muito que estivesse cheio daquele presente. Tu com outros planos, expuseste-os com tremenda clareza, antes de deixares cair um "se verdadeiramente gostas de mim..." que soava a ameaça implorada. Vivermos juntos... Será isso o amor ou uma forma de amor que ponha outras em perigo?(...) verdade é que eu tinha um medo enorme de encurtar as pequenas distâncias que me faziam correr para ti, sou um bicho instável, receio tanto o abandono como o sufoco. Bolinei com palavras sinuosas. Tu em silêncio dorido, eu sentindo-o como acusador. Fechados, cada um em sua concha, paranóicos e mal amados. Dissemos adeus com um pretexto ignóbil que não recordo, mas foi o silêncio ressentido a liquidar-nos. A solidão. Outras mulheres, ignorantes do pano de fundo sobre o qual se moviam; inocentes. O sexo mecânico. A culpa por nem culpa sentir, apenas uma saudade imensa da tua silhueta na porta, "fecho a janela"? Será isso o amor?(...)»

Júlio Machado Vaz, in Estes Difíceis Amores

22 abril 2013

um dia caiu-me de uma só vez o coração todo ao chão.
pude vê-lo rebolar na sua pequena queda,
rápida e dolorosa.
ainda vejo a poça de sangue que deixou no nó da madeira.


e se for tarde demais?
e se os anos continuarem a passar?
e se a química morrer?
e se ela morrer?
e se eu morrer?
e se nada for mais possível?
e se o amor acabar?
e se foi tudo um sonho?
e se foi tudo um pesadelo?
e se o olhar dela mudar?
e se a minha loucura mudar?
e se eu mudar?
e se ela mudar?
e se foi tudo um nada?
e se foi nada isto tudo?
e se finalmente saltar deste abismo?
e se não voltar mais atrás?
e se a dor for já suportável?
e se for desta vez?
e se...
e se...
e se...

estou cansada, vou dormir.

21 abril 2013

eram espinhos


puta



"Podes dizer ao mundo inteiro que estas letras são tuas.Assim como os desenhos que fiz, os espaços que deixei. Podes dizer a toda a gente que um dia te amei e que foste tu quem me fez poeta. Podes nadar em orgulho ao saber que todos os copos que bebi foram por ti. Que os cigarros que fumei ansiosa e apressadamente foram pela saudade do teu corpo."


José Eduardo Agualusa















no contorno do gato
um ponto negro no dorso
dorme -

Krzysztof Karwowski

20 abril 2013

Se ao menos soubesses tudo o que eu não disse
ou se ao menos me desses as mãos como quem beija
e não partisses, assim, empurrando o vento
com o coração aflito, sufocado de segredos 

se ao menos percebesses que eram nossos
todos os bancos de todos os jardins;
se ao menos guardasses nos teus gestos essa bandeira de lirismo
que ambos empunhamos na cidade clandestina
Quando as manhãs cheiravam a óleo e a flores
e o inverno espreitava ainda nas esquinas como uma criança tremendo;
se ao menos tivesses levado as minhas mãos para tocar os teus dedos
para guardar o teu corpo;
se ao menos tivesses quebrado o riso frio dos espelhos
onde o teu rosto se esconde no meu rosto
e a minha boca lembra a tua despedida,
talvez que, hoje, meu amor, eu pudesse esquecer
essa cor perdida nos teus olhos.

Joaquim Pessoa




passa meia hora das cinco da tarde e a minha cabeça ainda não parou desde as dez e meia da manhã. têm sido horas pesadas. uma a uma as memórias voltam.
volta também a dor, volta também a raiva.
voltam e atravessam cada centímetro do meu corpo, como pequenas laminas. se houvesse ainda sangue, estaria o quarto inundado.
estendo-me então nesta cama confidente, que presenciou esta dor desde há três anos. mais uma vez a acolhe em seus braços.
estendo mais uma linha sobre a desgraça, que acudiu a cada baque desta dor. e que mais uma vez a protege da memoria. a que me assalta desde manhã.
já não serão mais horas pesadas.

[...]Tú y yo hemos sido felices; y no lo hemos sido solo una vez, hemos sido felices miles de veces. Las posibilidades de que la primavera, que llega para todos, como las canciones populares, nos pertenezca también, las posibilidades son muy halagüeñas en este momento porque, como siempre, puedo aguantar casi toda la opinión literaria contemporánea, liquidada, en el hueco de la mano, y cuando lo hago, veo al cisne flotando en ella y descubro que eres tú y sólo tú. Pero, Cisne, flota suavemente porque eres un cisne, porque con la exquisita curva de tu cuello los dioses te concedieron un don especial, y aunque te lo fracturaras tropezando con algún puente construido por el hombre, se curaría y seguirías avanzando. Olvida el pasado, lo que puedas, y da la vuelta y nada de nuevo hasta mí, a tu refugio de siempre, aunque a veces parezca una cueva oscura iluminada con las antorchas de la furia. Es el mejor refugio para ti, da la vuelta despacio en las aguas en las que te mueves y regresa.
Todo esto parece alegórico pero es muy real. Te necesito aquí. La tristeza del pasado me acompaña siempre. Las cosas que hicimos juntos y las cicatrices atroces que nos convirtieron en el pasado en supervivientes de guerra persisten como una especie de atmósfera que rodea todas las casas que habito. Las cosas agradables y los primeros años juntos, los meses que pasamos hace dos años en Montgomery me acompañarán siempre y tienes que creer como yo que podemos recuperarlos, si no en una nueva primavera, en un nuevo verano. Te quiero, amor mío, cariño.



Carta de Scott Fitzgerald a Zelda Fitzgerald (fragmento)


Hindi Zahra-At the same time

Oh love is so beautiful and crual at the same time

19 abril 2013



se regressar, será aos teus olhos que regresso.
os acasos ardem nos lábios dos amieiros que na margem do rio
aguardam que regresse. a isso regresso, buscando
coincidências e nomes, razões. afasto-me
provavelmente de ti, embora secretamente.
é por isso estranha a forma como os acasos ardem
para sempre. a outro rio e sob outras sombras
regresso, devagar para não ferir o que antes amei
e por quem morri muitas vezes. agora de novo morro
e por outro rio regresso até ao lugar onde elas, as aves,
nascem para não desaparecerem. e isso é como permanecer.

Francisco José Viegas

15 abril 2013

Bukowski explains





- A Bíblia diz: "Amai ao próximo".
- Isso poderia significar algo como: "Deixai-o em paz".

Charles Bukowski
Aplaudam, meus amigos, a comédia acabou.


Ludwig van Beethoven 

12 abril 2013

Há coisas que nos consolam porque são irreparáveis.

Agustina Bessa-Luis

11 abril 2013

09 abril 2013

"Algum dia eu haveria de entrar na normalidade dos que te amam. Amo-te. E dói escrevê-lo (que é pior, meu amor, do que dizê-lo). Amo-te, absoluta, impossível e fatalmente. E ouço, adolescente, uma música adolescente, para me lembrar de ti, porque lembrar-me de ti é lembrar-me que não consigo esquecer-te. E ouço música porque ouvimos música quando amamos, e tudo, no amor, é música, acústica da alma que se quer ser devorada, e, neste caso, dor (tão deliciosamente insuportável) de amar sem sequência nem expectativa de contrapartida, amar unicamente o puro objecto que desgraçadamente amamos. Isto é uma carta de amor, e é possivelmente ridícula (prova maior de que é, realmente uma carta de amor), ou porque perdi o hábito de as escrever, ou porque nunca tive a coragem de as enviar."

"Esta carta de amor é um excesso (e isso prova superiormente que é uma carta de amor): eu amo não a ideia de amar-te (durante muito tempo, eu julguei que era apenas isso), mas a ideia de perder-me no meu amor por ti. E mesmo amar-te é um excesso, porque tudo aconselharia que eu me limitasse a mitificar-te, que é a melhor forma de evitarmos enfrentar a realidade."

"Porque a realidade, aqui, é como uma dor difusa, tu sabes como é, um incómodo ainda não localizado, que progressivamente se vai definindo e acertando, até que, insuportavelmente nítida, a sua imagem se nos impõe como uma evidência. A minha dor é que eu comecei a amar-te, sem o saber, durante aquele breve período de tempo em que sair de casa era a promessa reconfortante de ver-te e falar contigo. Eu não sabia, repito, mas o tempo ajudou-me a definir essa pequena dor, tão secretamente pavorosa: cada vez que estou contigo (cada vez mais, meu amor, cada vez mais) é como se a minha vida se virasse do avesso. E é verdade, é cada vez mais verdade, que, quando penso nas coisas que ainda me falta fazer na vida, é em ti que penso. E tenho medo, como um animal que instintivamente foge do que sabe não poder atingir."

"Mas, repito: esta carta é um acto de puro egoísmo, é como se não tivesse destinatário. E, no entanto, é preciso enviá-la, para que seja uma carta de amor, para que faça sentido como carta. Para que seja amor. Mas podemos imaginar uma saída elegante: para que possas conservá-la como pura carta de amor, quero eu dizer, sem o embaraço de saberes que ela te foi escrita por alguém que não amas, não a assino. Dou-te tudo: até a hipótese de esta carta não ter sido escrita por mim.
(E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tu – em mim – que me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim.)"


Amor de António Mega Ferreira

06 abril 2013

Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!...

Álvares de Azevedo

03 abril 2013

23:23 capicua

Angus & Julia Stone - For you

.XVI

É o vicio deste amor, que põe mais uma vez em causa todos os exercícios em prol da razão que tenho vindo a ensinar-me. É este breu que me compromete os movimentos e me obriga a andar sem chão. Mas ainda assim, é florido, o caminho ao lado do precipício.