Right or wrong, it's very pleasant to break something from time to time.
Fyodor Dostoyevsky
My fault, my failure, is not in the passions I have, but in my lack of control of them. Jack Kerouac
30 agosto 2013
29 agosto 2013
last night
“Pela noite fechada de silêncio, escrevo. É uma noite de Inverno, limpa, definitiva, uma evidência brilha na sua linearidade, no diagrama das estrelas… Olho-a, ouço-a. Todas as vozes obscuras, como bichos nocturnos, sobem ao limite do meu espanto, da minha vigília. (…)
Um homem novo recria-se-me na transparência do seu ser. Sinto-o leve e lúcido, instantâneo e incandescente, por entre cinzas que o fogo deixou. (…) o homem primordial que em mim sobe tem a face atónita de uma primeira interrogação. E não é isso uma imagem, uma figuração com que procuremos, contra um hábito endurecido, abrir os olhos a um novo modo de ver. (…) Sou eu só, diante de mim e da noite, irredutível e inútil na minha lucidez.
E no entanto, nenhuma desculpa me tranquiliza o remorso da urgência de um mundo a repovoar. É um remorso que se agrava à certeza de que os outros se reconhecem na mesma urgência e vazio. (…)
A invenção de um novo mundo não é uma invenção de ninguém. Não está na nossa mão criá-lo; está só, quando muito, ajudar no seu parto. E todavia – sabemo-lo bem – é em nós que ele se gera; mas tão longe de onde estamos, que só já quando irrevogável o sabemos. Um mundo acontece na escolha interminável de nós. Assim pois, testemunhas apenas à superfície desse acto de criação, (…), nós cumprimos sempre as ordens que ninguém deu e não as pudemos pois discutir. (…) A última justificação de todas as justificações escapa sempre ao homem e dela chega apenas até ele o seu eco pluralizado. (…)
E todo o problema do mundo de hoje está aí. Regresso a mim, ao meu corpo distinto e classificável onde todo o milagre aconteceu. E pergunto-me, suspenso, como foi possível, como é que uma breve semente abriu assim até essa Voz, até ao silêncio donde essa Voz falou. Frente ao grande sono dos homens que o esqueceram, na atenção inexorável ao sem limite de mim, a minha vigília arde como um fogo assassino. É um fogo alto e poderoso. Lume breve na minha intimidade, na brevidade de um pequeno ser, eu, anónimo e avulso, ocasional e frágil – eu. E todavia, esse lume vibra de vigor, brilha único e intenso contra o assalto da noite. Trago em mim a força monstruosa de interrogar, mais força que a força de uma pergunta. (…) o que eu trago em mim é o anúncio do fim do mundo, ou mais longe, e decerto, o da sua recriação.”
Um homem novo recria-se-me na transparência do seu ser. Sinto-o leve e lúcido, instantâneo e incandescente, por entre cinzas que o fogo deixou. (…) o homem primordial que em mim sobe tem a face atónita de uma primeira interrogação. E não é isso uma imagem, uma figuração com que procuremos, contra um hábito endurecido, abrir os olhos a um novo modo de ver. (…) Sou eu só, diante de mim e da noite, irredutível e inútil na minha lucidez.
E no entanto, nenhuma desculpa me tranquiliza o remorso da urgência de um mundo a repovoar. É um remorso que se agrava à certeza de que os outros se reconhecem na mesma urgência e vazio. (…)
A invenção de um novo mundo não é uma invenção de ninguém. Não está na nossa mão criá-lo; está só, quando muito, ajudar no seu parto. E todavia – sabemo-lo bem – é em nós que ele se gera; mas tão longe de onde estamos, que só já quando irrevogável o sabemos. Um mundo acontece na escolha interminável de nós. Assim pois, testemunhas apenas à superfície desse acto de criação, (…), nós cumprimos sempre as ordens que ninguém deu e não as pudemos pois discutir. (…) A última justificação de todas as justificações escapa sempre ao homem e dela chega apenas até ele o seu eco pluralizado. (…)
E todo o problema do mundo de hoje está aí. Regresso a mim, ao meu corpo distinto e classificável onde todo o milagre aconteceu. E pergunto-me, suspenso, como foi possível, como é que uma breve semente abriu assim até essa Voz, até ao silêncio donde essa Voz falou. Frente ao grande sono dos homens que o esqueceram, na atenção inexorável ao sem limite de mim, a minha vigília arde como um fogo assassino. É um fogo alto e poderoso. Lume breve na minha intimidade, na brevidade de um pequeno ser, eu, anónimo e avulso, ocasional e frágil – eu. E todavia, esse lume vibra de vigor, brilha único e intenso contra o assalto da noite. Trago em mim a força monstruosa de interrogar, mais força que a força de uma pergunta. (…) o que eu trago em mim é o anúncio do fim do mundo, ou mais longe, e decerto, o da sua recriação.”
― Vergílio Ferreira, Invocação ao meu corpo
28 agosto 2013
o pesadelo dentro do sonho ou vice-versa, não interessa.
Nenhuma morte apagará os beijos
e por dentro das casas onde nos amámos ou pelas ruas
[clandestinas da grande cidade livre
estarão para sempre vivos os sinais de um grande amor,
esses densos sinais do amor e da morte
com que se vive a vida.
Aí estarão de novo as nossas mãos.
E nenhuma dor será possível onde nos beijámos.
Eternamente apaixonados, meu amor. Eternamente livres.
Prolongaremos em todos os dedos os nossos gestos e,
profundamente, no peito dos amantes, a nossa alma líquida
[e atormentada
desvenderá em cada minuto o seu segredo
para que este amor se prolongue e noutras bocas
ardam violentos de paixão os nossos beijos
e os corpos se abracem mais e se confundam
mutuamente violando-se, violentando a noite
para que outro dia, afinal, seja possível.
Joaquim Pessoa, in 'Os Olhos de Isa'
e por dentro das casas onde nos amámos ou pelas ruas
estarão para sempre vivos os sinais de um grande amor,
esses densos sinais do amor e da morte
com que se vive a vida.
Aí estarão de novo as nossas mãos.
E nenhuma dor será possível onde nos beijámos.
Eternamente apaixonados, meu amor. Eternamente livres.
Prolongaremos em todos os dedos os nossos gestos e,
profundamente, no peito dos amantes, a nossa alma líquida
desvenderá em cada minuto o seu segredo
para que este amor se prolongue e noutras bocas
ardam violentos de paixão os nossos beijos
e os corpos se abracem mais e se confundam
mutuamente violando-se, violentando a noite
para que outro dia, afinal, seja possível.
Joaquim Pessoa, in 'Os Olhos de Isa'
O facto suscita em nós raiva e riso e um estranho alívio
Todos descobrem, mais tarde ou mais cedo, que a felicidade perfeita não é realizável, mas poucos se detêm no pensar na consideração oposta: que também uma infelicidade perfeita é, igualmente, não realizável.
Primo Levi, in Se Isto É Um Homem
Primo Levi, in Se Isto É Um Homem
26 agosto 2013
diários
como num filme de Fellini, os pés já não tocam no chão; orelhas-elefante, vamos de encontro a uma última fantasia.
25 agosto 2013
22 agosto 2013
diários/por favor um copo de morte temporária
Hoje todas as dores resolveram saltar para o tempo real, passeiam orgulhosamente a meu lado. e revivo-as a todas, separadamente, não, todas ao mesmo tempo. A perda da minha irmã, a perda do meu pai, duas vezes na mesma vida, o filho que matei, a dor da droga,a dor da doença,-"és doente Cláudia", a perda dela. Que turbilhão de dores.. não há corpo suficiente para chorá-las todas. E choro-as todas agora, tanto como naqueles dias!
21 agosto 2013
pode realizar devoluções num prazo de 90 dias.
Nada mais tenho com a validez das coisas. Estou liberta ou perdida.
A vida é mortal.Clarice Lispector
a solidariedade na dor
Se algum paraíso existe, cheguei lá
Nada mais vou dizer.
Urbano Tavares Rodrigues
20 agosto 2013
"são horas de te embriagares"
“You're afraid of it because it's stronger than you, you hate it because you're afraid of it, you love it because you can't master it. You can only love something that refuses to be mastered.”
― Yevgeny Zamyatin, Nós
― Yevgeny Zamyatin, Nós
19 agosto 2013
18 agosto 2013
Abrir a porta à tempestade
(Não sei como resumir este assunto.
Talvez se possa reduzir tudo a um
único item: um cigarro apagado)
16 agosto 2013
14 agosto 2013
que estou de sonho ferido,Ninguém venha me dar vida,que estou morrendo de amor,que estou feliz de morrer,que não tenho mal nem dor,
que não me quero curar,
que estou deixando de ser,
e não quero me encontrar,
que estou dentro de um navio,
que sei que vai naufragar,
já não falo e ainda sorrio,
porque está perto de mim
o dono verde do mar
que busquei desde o começo,
e estava apenas no fim.
Corações, por que chorais?
Preparai meu arremesso
para as algas e os corais.
Fim ditoso, hora feliz:
guardai meu amor sem preço,
que só quis quem não me quis.
Cecília Meireles
13 agosto 2013
"É tão bom começar a manhã com tudo o que queremos ser neste dia. Olhar sem medo pela janela, ensaiar uns passos fora da pele. Já não somos nós, nem mesmo é nosso o dia.Tropeçamos nos olhos espantados à volta do que vemos, precipitamo-nos para dentro e é tudo o pouco que fizemos. Dizemos que a pele é a nossa casa, enumeramos as assoalhadas, a arquitectura sólida, as vantagens de grades nas janelas. Depois fica-se triste até ao fim do dia. Há quem faça compras ou coma chocolate, quem diga mal de todos, quem não acorde a espreitar pela pele como ser outro, mas ele está a dois passos, a respiração, a temperatura, o olhar, o corpo móvel que se afasta levando o horizonte e só nos resta sonhar com a manhã seguinte e todos os dias - todos os dias - mentimos para dentro da pele."
Rosa Alice Branco
Rosa Alice Branco
podes levar os dias que trouxeste
os pássaros soterraram agosto
e sem lugar um homem cega pela janela
o mar que jura ter tocado com o sangue
podia ter sido o amor se não tivesse vindo
tão directamente da sede
um duplo rosto de enganos e os braços
que saíram desertos
o eco da morte reverbera na pele
com que vejo a tua ausência encher as ruas
um choro de papel cai pela terra
e nunca foi tão tarde ser depois
daqui onde o grito surdo incendeia
a refutação da madrugada
donde o crânio esmaga o coração
um homem corta pela janela
a própria certeza de ter sido
não, é tarde demais para uma manhã
que foi a enterrar em tantas noites
as escadas morreram de sede
a terra caiu em nunca
podes levar os dias que trouxeste
os pássaros soterraram agosto
e sem lugar um homem cega pela janela
o mar que jura ter tocado com o sangue
podia ter sido o amor se não tivesse vindo
tão directamente da sede
um duplo rosto de enganos e os braços
que saíram desertos
o eco da morte reverbera na pele
com que vejo a tua ausência encher as ruas
um choro de papel cai pela terra
e nunca foi tão tarde ser depois
daqui onde o grito surdo incendeia
a refutação da madrugada
donde o crânio esmaga o coração
um homem corta pela janela
a própria certeza de ter sido
não, é tarde demais para uma manhã
que foi a enterrar em tantas noites
as escadas morreram de sede
a terra caiu em nunca
podes levar os dias que trouxeste
Pedro Sena-Lino
12 agosto 2013
diários
Esfregar a pele até que não haja pele, esfregar até que este sangue velho verta, até que não haja réstia de nada do que presenciou, este sangue. De dentro para fora, arrancar a podridão que me deixaste, até ao avesso. Arrancar a voz! Gritar tão alto, que o todo o mundo ensurdeça, até que eu ensurdeça. Até que não haja voz. Amputar tudo, até que não haja nada.
11 agosto 2013
depois do adeus
I will remember the kisses
our lips raw with love
and how you gave me
everything you had
and how I
offered you what was left of
me,
and I will remember your small room
the feel of you
the light in the window
your records
your books
our morning coffee
our noons our nights
our bodies spilled together
sleeping
the tiny flowing currents
immediate and forever
your leg my leg
your arm my arm
your smile and the warmth
of you
who made me laugh
again.
― Charles Bukowski
our lips raw with love
and how you gave me
everything you had
and how I
offered you what was left of
me,
and I will remember your small room
the feel of you
the light in the window
your records
your books
our morning coffee
our noons our nights
our bodies spilled together
sleeping
the tiny flowing currents
immediate and forever
your leg my leg
your arm my arm
your smile and the warmth
of you
who made me laugh
again.
― Charles Bukowski
Amo-te
Amo-te Lisboa. Então porque é que enquanto olho o mar, neste dia aparentemente alegre, neste conversa aparentemente alegre, nesta vida aparentemente alegre, - há uma voz cá dentro que grita ao mar: "vinde maré, levai me para longe, ou levai me para sempre."
09 agosto 2013
05 agosto 2013
idiotices
O amor hoje tornou-se um mero jogo de idiotas. Idiota #1 joga, Idiota #2 joga também, idiota #1 ganha, idiota #2 sofre, idiota #1 aguarda o próximo idiota.
04 agosto 2013
Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.
Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?
Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.
Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.
Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.
Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.
Pablo Neruda
O que os olhos não vêem, o coração não sente
Danço como se não houvesse amanhã. Os corpos suados deslizam como enguias no breu daquela cave ao som da música desta madrugada branca; e os meus olhos acompanham 2, 3 de cada vez. E o meu corpo também, que vontade fora de mim de beber da vida, e a vida. Uníssono por toda aparte, por cima de tudo, impregnado em tudo, e falta algo. Penso nas outras almas que acompanhavam esta sede, que agora já não . Que são casal agora, que preenchem satisfatoriamente as suas vida, já saciadas. Felizes delas. Não necessitar deste oásis no deserto deve ser agradavelmente maravilhoso.
03 agosto 2013
02 agosto 2013
Hoje acordámos em sitios diferentes...
Eu, no meio das ruínas que se movem, das sombras que sopram,
das almas em fuga para dentro da vida.
Tu, no meio das ruínas paradas, das sombras que já não respiram,
das almas em fuga para longe da vida.
Amanhã, sempre amanhã, tentaremos acordar no mesmo sítio de sempre
e o abismo do medo e da dor irá rir-se de nós enquanto nos engole ou nos deixa passar.
Fernando Ribeiro
Eu, no meio das ruínas que se movem, das sombras que sopram,
das almas em fuga para dentro da vida.
Tu, no meio das ruínas paradas, das sombras que já não respiram,
das almas em fuga para longe da vida.
Amanhã, sempre amanhã, tentaremos acordar no mesmo sítio de sempre
e o abismo do medo e da dor irá rir-se de nós enquanto nos engole ou nos deixa passar.
Fernando Ribeiro
Diários
O que mais custa, são as horas passadas à frente da tv. As horas mortas que obrigatoriamente acabam por acontecer, e quado acontecem trazem o culminar das memórias descartadas durante o dia. Todo o esforço pela calma vai por água abaixo no segundo de um piscar de olhos. E a raiva verte por todos os poros. E o desespero. Nessas horas mortas a frente da tv, a tristeza é insuportável.
01 agosto 2013
(...) Amanhã, ou enquanto dormes
- agora mesmo - vou pensar em ti.
Intensamente: até que as horas me doam sobre a pele,
e o movimento dos dias passe como aves
que perdem o sentido do voo - até que tudo
o que me rodeia tome a forma do teu corpo.
E em mim circules - quando estendo a mão
por dentro da noite e te acordo,
no fogo dos meus olhos.
Al Berto
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