26 março 2013

diários

Foi à mesa do café que se mencionou aquele nome pela milésima vez. O caminho por esta altura era feito à retaguarda, como tantas outras vezes. De olhos fechados, mais uma vez tentando palpar os pontos de conforto. E abri-los, sem reconhecer ponto algum. O reconhecimento do fim, paralisante, levava-me incontornavelmente de volta a ela. Nos passos deixados outrora. Num reviver da loucura, deixada outrora, junto aos passos. Como um sonho interrompido. Que eu, em vão, tentara retomar todas as noites. Foi a perda da esperança que me matou, que nos matou, que a matou. Poderia enlouquecer um homem sem esperança, se não padecer, pelo menos, de um desses males. É um mundo estranho, no qual sobrevivo sem ela. Num efeito reflexo, tudo ao contrário. E no entanto, é mais uma vez, à mesa do café que me reconheço, ainda ao mencionar o nome dela.

25 março 2013

Fechar as janelas
fechar as portas
fechar os livros
fechar as ranhuras
fechar as feridas
fechar o delírio
fechar o amor
fechar a dor
fechar as mãos
fechar a mente
fechar a memória
fechar o mau
fechar o corpo
fechar a alma
fechar
fechar
fechar
tudo.

21 março 2013

19 março 2013

azul IX

Fascina-me a palavra azedo. Podemos adjectivar tudo (ou quase) com essa palavra. Comida, bebida, profissões, ambientes, sentimentos, e até pessoas! Como aqueles dias em nós próprios nos sentimos azedos, que qualquer palavra proferida deixa esse rasto de podridão e que transfere essa mesma podridão para os outros. Ou vice-versa. Ou ainda mesmo aquelas pessoas que não sabem senão ser azedas, que escondem no olhar essa vivência sempre ao lado da suposta. Ou que até vivem a suposta vida, mas com o peso do mundo nas costas, azedo, azedadas. E aos sentimentos, aqueles mesmo azedos, que nos enjoam só de os sentir. Aquela quase constante azia na língua e o ardor que faz um buraco no estômago. Como se mesmo provocando o vómito, restasse ainda um fundo azedo, nefasto, como carne morta. É morto o odor do azedo. Sim, fascina-me a palavra azedo.

18 março 2013

Náugfragos

Podiam chover bombas lá fora. O céu podia mudar de cor, cair de repente. O mar tornar-se venenoso. O que eles queriam era as palavras um do outro. As palavras e os suspiros e os ruídos e tudo o mais que um corpo amado produz, sobre esta terra, debaixo deste céu [...] Tinham de ser separados. Eles próprios sabiam que deviam ser separados. O que os unia conduzia ao caos.

pedro paixão, quase gosto da vida que tenho

17 março 2013

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão 
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade

16 março 2013














sejamos breves, pois demoramos tanto na chegada que já estamos atrasados na partida.
A poesia tornou-se insuportável. A poesia só sobrevive na loucura de duas pessoas que decidem amar-se, condenando-se à exaustão.

pedro paixão, quase gosto da vida que tenho

15 março 2013

"O silêncio, o que é o silêncio? perguntei ao mestre. - Uma floresta cheia de ruído."

Casimiro de Brito

14 março 2013


She was beautiful, but she was beautiful in the way a forest fire was beautiful.
Neil Gaiman

Reconhecimento à Loucura


Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos
descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-Ihe, e ganhar-Ihe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar


Almada Negreiros

12 março 2013

2013 (cont.)


So therefore i dedicate myself to myself, to my art, to my sleep, my dreams, my labours, my sufferances, my loneliness, my unique madness, my endless absorption and hunger- because i cannot dedicate myself to any fellow being.
Jack Kerouac 
é azeda
a dor da cabeça contra o cimento.

10 março 2013

Maldito seja o seu amor. Ele sabe foder como ninguém, mas eu quero mais que isso.

Anais Nin

08 março 2013

Damaged people are dangerous.
They know they can survive.

Dia da Mulher


estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram 
flores novas na terra do jardim, quero dizer 
que estás bonita. 

José Luís Peixoto

06 março 2013

azul IV.

"O que nos salva é dar um passo e outro ainda."
O Príncipezinho, Antoine de Saint-Exupéry

Vou falar-te da inocência dos teus olhos!
Desses, que ardem no invisível,
desses, que pedem do deserto
esse oásis mitológico.
Vou falar-te desse azul,
que brota da vertigem da tua face,
das entranhas desse mundo.
Vou falar-te do desejo,
desse, que depositas nestes velhos olhos meus.
Cansados, depois da tempestade.
Vou falar-te da inocência dos teus olhos!
Como quem descreve algo que não é teu.